Vasco Graça Moura celebrou ontém, no Grémio Literário, os 50 Anos da sua vida
literária. Foi uma cerimónia com etiqueta, com elegância, com fado à mistura. Foi um "serão fadista" para apresentar uma coletânea de textos diversos sob a capa de Discursos Vários Poéticos. A apresentação coube ao ensaísta e catedrático de Literatura, Fernando J.B. Martinho, e a Marcelo Rebelo de Sousa. Ora, Vasco Graça Moura poeta, tradutor e político, é tambem uma figura controversa e trauliteira. Não podemos ignorar o lado menos poético do poeta. Permito-me pois transcrever aqui parte do Poema-Testamento escrito por VGM em 2001 -- à boa maneira de Francois Fillon -- durante o regresso de uma viagem ao Porto, e no qual é perceptível o estilo escatológico do tradutor de Dante. Estou certo de que VGM não falou ontém no Grémio Literário, deste seu poema panfletário. Aqui fica um breve resumo:
"No ano em que sou trintão/ tempo de ver-me sem lisonja/ mas sem temor, sem contrição/ [...] deram-me amor, literatura/ algum suor, algum afecto/ e meias-tintas de amargura/ [...] bem quis as artes da pintura/ tinha algum jeito no desenho, mas o real sempre era estranho/ [...] entre o real e o meu engenho/ [...] fiz uma longa aprendizagem/ muitas rasuras e rascunhos/ muitos registos de passagem/ muitos borrões e gatafunhos/ [...] o óscar lopes e o david, deram-me as regras do jardim:/ vinho fazer da minha vide/ nunca ficar assim-assim/ montar em pêlo e em selim/ das teorias me dispenso/ [...] aos inimigos (pura perda/ de tempos ouvi-los a rugir-me)/ a esses deito toda a merda/ com que quizeram atingir-me/ e ao deixá-la digo a rir-me/ "comeia toda agora a cru/ que a disgestão vos seja firme/ e ao fim lambei o próprio cu" [...] se cada um só quer ver quanto/ ressona mais do que o vizinho/ eu sendo assim, não me levanto:/ vai Portugal por maus caminhos/ [...] que eu sempre fui bom cavaquista/ nem é preciso repeti-lo:/ anos depois já só avista/ tanto canário, tanto grilo/ tanto gorjeio, tanto trilo/ que de promessas se guarnece:/ um mundo e outro, isto e aquilo/ e o povo tem o que merece/ [...] "terceira-idade", digo e brinco/ sem ter poção nem amuleto/ que me devolva aos trinta e cinco/ e reestofe o esqueleto./ outros fariam un soneto/ de hora final quando a mão treme/ eu escrevi este folheto/ e assinei-o vgm".
O estro escatológico de Francisco José Viegas, patente na carta dirigida a Paulo Núncio, apesar de deselegante, não atinge o afrontamento nem o azedume que Vasco Graça Moura verteu no seu poema-testamento.
O editor José da Cruz Santos publicou o "testamento de VGM" nas Edições Asa.
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